Marcos Gabiroba e a crônica da semana "Escrever, por quê? Por que ainda escrevo?"
Por quê escrevo? Como encontrar algo de original para dizer na décima, na quinquagésima ou centésima vez, sendo, às vezes, atencioso, calmo e aberto a críticas ou discussões, como qualquer pessoa merece, sobretudo como um velho arcano ou, como fui, um pré-profissional das perguntas, às vezes, sem respostas? A resposta direta seria: escrevo porque sou um ambivalente, às vezes, inseguro, desejoso de uma cumplicidade. Como ainda não a tenho sigo em frente com minhas ideias, respeitando, é claro, os discordantes.
Como não poderia deixar de ser, uma pontinha de malícia, às vezes dou uma resposta torta ou de dúbia interpretação não é por que, mas sobre o que escrevo, do que falo, então, ao fazer minhas literaturas diariamente. Um dos rótulos usados em relação a isso é: Gabiroba escreve sobre o cotidiano, de homens, mulheres, crianças, enfim do ser humano e das coisas. Reconheço que, mulheres não são meus personagens exclusivos, nem mesmo nas mais elaborados crônicas; são homens e crianças, casas com sótão e porões, às vezes dramas ou banalidades.
Escrevo também do estranho atrás das portas, vivos que amam ou esperam. Jamais sobre mortos, pois estes já cumpriram suas missões neste pedaço do chão existencial.
Também escrevo sobre o que me assombra, às vezes desde minha infância: dos lobisomens, das mulas sem cabeça e outras figuras que marcaram minha história.
Ao escrever essas crônicas semanais é, sobretudo, indagar: continua a ser o menino perguntador que perturbava os almoços ou os jantares familiares querendo saber tudo, qualquer coisa, o tempo todo. Portanto, escrevo para obter respostas que – eu sei – não existem, mas por isso continuo escrevendo.
Escrevo sobre as possibilidades de ser mais feliz – isso, eu sei também, depende um pouco de cada um de nós, de nossa honradez interior, e de nossa fé no ser humano, nosso compromisso com a dignidade. Escrevo sobre a sorte que cada um possui, e de decisões que muitas vezes só anos depois poderemos avaliar. Escrevo e falo do que somos: nobres e vulgares, sonhadores e consumidores, soprados de esperança e corroídos de terror, generosos e tantas vezes mesquinhos. Invento, sim, invento muitas vezes para minhas criaturas muito mais do que expresso em linhas ou nos silêncios – sempre o mais importante de um texto que elaboro e depois escrevo, mesmo que nem mencione o nome de alguém, ou que algum detalhe possa aparecer despercebidamente no contexto do que escrevo ou falo.
Escrevo porque tenho o prazer em elaborar com palavras os destinos de meus personagens, fictícios ou reais nascidos de mim que armo e desarmo para a vida.
Escrevo para seduzir leitores ou ouvintes para que venham a ser cúmplices de minha perplexidade fundamental, essa que me move. Não se pode esquecer também que escrevo propondo uma releitura dos valores familiares sociais de meu tempo: denúncia da hipocrisia, da superficialidade e da mentira nos tipos de relacionamento mais estranhos ou mais comuns. Não é apenas o imponderável e misterioso que me interessa, mas o grande desencontro humano.
Quem escreve crônicas, contos, historias fala pelos outros. Trabalha para que os outros sonhem ou enxerguem melhores coisas que nem o próprio advinha – estão além da visão, mas dentro do seu pressentimento. Talvez seja essa a função de toda arte (se é que existe alguma): a libertação e o crescimento de quem a exerce e de quem a vai contemplar. Nessa medida a pessoa que escreve é de suma importância, e valem os questionamentos que se faz e a forma com que elabora em textos a nossa essencial contradição – matéria viva de sua contemplação e arte. Muitas vezes sim, muitas vezes o sono não vem porque insistimos em estar acordados no sono de alguém. Muitas vezes o presente não está bem porque estamos presos em um passado sem futuro e que não faz bem. Muitas vezes a leveza poética não vem porque o barulho da razão tenta engessar a imaginação e intuição. Muitas vezes a serenidade e o bom humor não vêm porque o egoísmo insiste em pedir em vez de agradecer por todo bem. Muitas vezes o perdão aos outros não vibra bem porque a humanidade do auto perdão não anda bem. Muitas vezes as relações humanas não andam bem porque facilmente nos omitimos ou culpamos o que não faz nada bem.
Muitas vezes a falta de ética revela pessoas descontroladas porque preferem amar as coisas e usar as pessoas. Muitas vezes não convencemos como convém porque ainda preferimos grandes palavras em vez de grandes atitudes. Muitas vezes não encontramos o Deus do bem porque não deixamos encontrar por Ele, que sempre vem. Muitas vezes os valores não contagiam como convém porque não desfilam sobre os tapetes do bem. Pensem nisso amigos e ouvintes o porquê ainda escrevo crônicas semanais. Imagino que está chegando a hora ou já passou da hora do ponto final. Gente, escrever toda semana uma crônica é muito difícil! Imaginem...