O assunto pode ser dramático ou engraçado, tão humano quanto e difícil de entender. A mm, mero escriba deste espaço semanal, vivo buscando explicações e significados porque tão pouco entendo, quando me ocorreu escrever exatamente sobre aquilo que menos sei, ou conheço. Trabalho interminável, espécie de suplicio de Sisifo: o pobre ser humano que todo dia tinha como missão empurrar morro acima uma grande pedra que voltava a rolar pela encosta, a fim de que o torturado recomeçasse mais uma vez.
Querer alcançar o significado das coisas, da vida, das pessoas, de seus relacionamentos e desencontros, é um pouco assim por dizer. Seguidamente me indagam – ou tento imaginar – o que seria um relacionamento perfeito, ou quase perfeito. Poderia eu escrever a palavra “casamento”, mas preferi a outra palavra, porque ela não tem nada a ver com o cartório e burocracia, opressão ou coerção social e familiar: tem a ver com querer se ligar a alguém, e querer continuar ligado.
Cada dia ao acordar, fazer de novo a escolha: eu quero mesmo é você comigo.
Mas, “perfeito” é uma palavra tola: perfeição só no céu de todas as utopias. Aqui, nesta nossa terra nada utópica, perfeição seria me parecia um pouco entediante: como, nada a reclamar, tudo assim direitinho?
Olho pela janela e bocejo: muito sem graça, a tal perfeição. O céu com anjos tocando harpa pelo tempo sem tempo me deixava pasmado já na infância. Nada mais? Nem uma brincadeira proibida, um escorregão nas nuvens, uma risada na hora do sagrado silêncio... nem uma transgressãozinha na ordem celestial?
Minha alma indisciplinada não encontraria alimento nem estímulo, e ia se desfazer um fiapo de nuvem embaixo de algum armário onde se guardassem os relâmpagos e os trovões, e todas dura sentenças. Então, relacionamento perfeito, nem pensar.
Mas uma ligação de cumplicidade e ternura, de sensualidade e mistério, ah, essa eu acho que pode existir. Como todos os contatos (não falo de papel mas de corpo, coração e mente), esse precisa ser renovado de vez em quando: a gente tira o contrato da gaveta da alma, e discute. Briga, talvez, chora, reclama, mas ainda ama, ainda deseja. Ainda quer o abraço, o passo no corredor, o corpo na cama, o olhar atento por cima da xícara de café... quer até a desorganização e a ruptura, para depois de novo o que é bom se reconstruir.
Que seja vital: isso me parece uma boa parceria. Que seja dinâmica seja lá o que isso significa em cada caso. Pelo menos, não acomodada; mas muito aconchegante.
Que seja sensual e amiga, essa ligação: se não gosto do outro como ser humano, com seus defeitos, virtudes, generosidade egoísmo, força a fragilidade, se não o quereria como amigo... como então, mesmo com o tempero do desejo, posso me relacionar com ele (ela) a vida a dois?
O tema é quase infinito: pois cada caso é um caso, assim como cada casal é um casal, e cada fase da vida do indivíduo ou dos dois é diferente, totalmente diferente. O bom é quando essa constante transformação se faz para maior cumplicidade, e não mais o distanciamento. Que um relacionamento bom ou ruim não seja uma prisão; que não seja uma enfermaria nem uma muleta; mas que seja vida, crescimento, lembrando que turbulências eventuais podem existir.
Que seja libertação e ajuda mútua; não fiscalização e condenação, a sentença pronunciada numa fase gélida ou num olhar acusador, ar de reprovação ou lamúria explícita. Que seja cumplicidade, porque a vida já é difícil sem afetos. O som dos passos no corredor pode ser um conforto inacreditável, o corpo ao lado da cama uma âncora para a alma aflita. O entendimento recíproco é um oásis no isolamento desta nossa vida pressionada por tempo, dinheiro, regras, mil solicitações de família, trabalho, grupo social, realidade do mundo hodierno.
Que seja a sua presença e companhia, num relacionamento bom: pois a solidão é um campo demasiado vasto para ser atravessado a sós. Pensem nisso.