Relacionamentos se constroem ao longo dos anos de sua duração: dois parceiros vão tomar consciente ou inconscientemente a teia que vais envolver ou separa, o casulo onde vão abrigar ou sufocar seus filhos. Amor não deveria ser prisão ou dever, mas crescimento e libertação. Porém, se gostamos de alguma coisa ou de alguém, queremos que esteja sempre conosco. Perda e separação significam sofrimento, mas não o fim da vida nem o fim de todos os afetos.
Em certa oportunidade, sei lá quando me deram um bilhete que dizia: “Se você ama alguém, deixe-o livre”. Poucas afirmações são tão difíceis de cumprir, poucas contêm tamanha sabedoria em relação aos amores, todos os amores: filhos, amigos, amantes. Amor é risco, viver é risco. Pois permitir, até querer que o outro cresça ao nosso lado, pode significar que crescerá afastando-se de nós.
Mas – essa é a força e a beleza do desafio de uma vida a dois – o outro, crescendo, pode-se abrir mais para nós, que participaremos dessa expansão. Instaura-se uma instigante pareceria amorosa, na qual o tempo não servirá para desgaste mas para construção. É um processo de refinamento da cumplicidade que brilha em algumas relações mesmo depois de alguns anos, muitas perdas, e muitos difíceis recomeços– desde que haja o que reconstruir.
Em contrapartida, alguém muito torturado, certa vez, me disse: “Se você conhecesse o clima na casa de meus pais, entenderia por que estou tão doente”.
Era realmente uma alma retorcida, novelo de mágoas. Sua confiança na vida fora solapada pelo o que via em casa, sua crença nos afetos contaminada pelo que ali presenciava. Muitas vezes a salvação está na separação, embora casais não se separam apenas por frieza ou desamor. Às vezes houve tamanhas transformações no curso do tempo, que o mais digno, o mais libertador para todos é uma separação com respeito e amizade.
Casais podem se separar com dignidade, apesar das dores iniciais, e com certeza nunca fizeram nada de melhor pelos seus filhos, embora esse conceito seja relativamente inovador. Não acho, com sinceridade que um fracasso numa relação que dure dez, vinte anos e depois termine. O “que seja eterno enquanto dure” de Vinícius de Morais não era cinismo, porém, constatação de que um amor pode se transformar em um afeto que foge às definições e permanece depois d uma separação, desde que não se abafe essa possibilidade debaixo de camadas de rancor e desejo de vingança.
Hoje em dia começamos a entender e admitir que relacionamentos mudam ou se desgastam, contratos afetivos se refazem, a família, que vai acabar, abre portas e janelas para novas maneiras de se relacionar mesmo depois que o casamento termina. Já pensou nisso caro ouvinte? A vida sempre continua, não é mesmo?
Tudo o que se viveu de bom ou de ruim liga para sempre, se for intenso ou prolongado. Nem divórcio, nem a morte apagam a presença do outro, que em qualquer dessas circunstâncias há de continuar lançando a sua sombra: boa ou negativa. Será preciso tempo, descoberta e cultivo de outros interesses, abertura para novos afetos, para que essa ferida feche: e ela fecha, não deixando necessariamente cicatrizes inflamadas. Por outro lado, nada cresce bem no terreno de uma relação ruim. Viver lado a lado em silêncios ressentidos, críticas pronunciadas ou abafadas, isolamento e indiferença podem ser uma condenação.
Velhos casais são sempre amigos. Jovens casais não são sempre amantes.
Relacionamentos podem ser mortais. O que mais identifica um par é o clima que circula entre eles além de palavras e gestos: uma química de pele e emoção, mel ou veneno, emoções que, se forem positivas, vão nos abrir para vivências.
O primeiro toque sobre uma criança recém-nascida vai definir parte de seu destino: é atmosfera de amor ou de hostilidade e frieza, que reina entre os pais. Nascendo, caímos nessas marés sombrias ou positivas. Se forem menos saudáveis, chegamos ao mundo como quem naufraga. Serão precisos muito esforço pessoal e afetos bons para nos salvar. Laços negativos podem unir mais do que o amor. E matam. Torna- se impossível viver, respirar, sem o inimigo de dentro da casa: Mulheres dominadoras, maridos grosseiros, filhos assustados e revoltados, uma violência que não precisa ser de gritos e golpes, mas a violência inominável da indiferença.
Arma-se uma rede que prende e lentamente sufoca toda a alegria.
Onde quer que morem essas famílias, sobre a porta de entrada pode-se ler a sentença que vai recair também sobre os mais inocentes. “Amigos e amigas ouvintes de nosso encontro semanal: Se assim sói acontecer, revogue-se a esperança”. Pensem Nisso.